(....que
qualquer cabrão que errar queimá-lo, assá-lo e crucifixá-lo...)
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Os fidalgos da Índia, os homens da confiança do rei e
expedidos depois de 1500, nem todos, terão tido um comportamento honesto e fiel
com a Corte.
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Documentos da época, arquivados na Torre do Tombo dão
conta de prevaricações com fundos da monarquia e crimes de peculato. O abuso do
Poder terminava (em alguns porque tambem por lá havia gente honesta), sempre no
roubo, comum, durante a comissão de serviço de uns cinco, seis anos ou até
mais.
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Os fidalgos têm como objectivo regressar ao Reino: “ricos,
famosos pelos feitos que não praticaram e sonham com a compra de um solar e
terras, algures, numa província da pátria com o produto, angariado através da ´pilhagem´.
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Chegados a Portugal, aqueles que não foram
desmascarados teriam sido pessoas altamente respeitadas, poderosos,
oligárquicos, latifundiários e feudatários que ostentando poder colocavam e
obrigavam, mercê de tão enorme influência perante a corte e autoridades regionais
onde se instalaram, o “povoléu” a trabalhar para eles nas suas terras que lhe
arrendavam e pagar-lhes, com isto, a tença.
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Fenómeno, social, mantido em Portugal desde o
princípio da fundação da nacionalidade, que apoiados pela monarquia e depois,
continuado (mais ou menos sofisticado) depois da implantação da Républica e
assim por diante. Evidentemente que se torna uma “chaga” que dilacera o povo
português que o foi privando à educação e ao acompanhamento das tecnologias
desenvolvidas na Europa. Vicios do Poder e da burocracia, contribuiram para o
obscurantismo e estagnamento da sociedade lusa.
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O texto descrito, a seguir, são parte de um documento
que se encontra, arquivado na Torre do Tombo, incompleto, por deterioração de
algumas páginas.
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Não se conhece o autor da denúncia dirigida a el-Rei
de Portugal. No documento está designado o nome de Lopo Soares e teria sido
escrita entre 1516 a 1528. (Torre do Tombo, V.X. Gav. XIX-XX, Maços 1-7, pág.
504 a 508, centro E.H. Ultramarinos da Junta de Investigações Científicas do
Ultramar. 1974-Gubekian XVI). O texto é fiel, apenas para facilitar a leitura,
foi transformado, em parte, para a ortografia actual.
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CARTA PARA EL-REI COM NOTÍCIAS DA ÌNDIA
<< Até aqui não me atrevi de escrever a
Vossa Alteza tão compridamente como eu desejava porque não ousava das
cousas que se fazem contra serviço de Vossa (sic) Alteza e agora por ver passar
tanto mal como se passa e por descargo de minha consciência vos dou
conta beijando-vos as mãos não dando conta a ninguém disto que por
este medo não esperei a Vossa Alteza mais cedo e assim que faço
saber a Vossa Alteza que Lopo Soares veio à Índia em hora minguada
assim ele como quantos capitães com ele vieram e assim outros
homens de valia porque o seu cuidado e o seu imaginar não é outro senão chatinar...>>
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<<... e matam-nos e roubam quanto acham
e disto dizem que o leva alguma fazenda e vai para Calecute ou para
Canenor é espiado em tal maneira como desaparece de Cochim logo é tomado
destes macúas, porém, sempre ouvi dizer que semear trigo em ruim terra que
não pode dar bom fruto...>>
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<<…a Vossa Alteza e estes que dele
esperam se gabou ele, que dera a cada um de ganho sete ou oito mil pardaos e
ele é um grande ladrão descarado porque qualquer fazenda que ele pode
achar de Vossa Alteza apanha-a e recolhe-a para si e com os favores que ele tem
com os alvarás de Vossa Alteza com o proveito que faz ele isto porque
nele não há fé nem lei senão quanto me parece que e agora mais gentio que
dantes e por aqui saberá Vossas Alteza e mais Lopo Soares o que requereu
que fosse com ele a Ceilão e ele fugiu...>>
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<<...mande Vossa Alteza olhar por isso e
assim se Vossa Alteza a acha grande quebra de pimenta verde porque assim como a
colhem deitam-na dois ou três dias ao sol e logo a pesam e esta
quebra desta pimenta não foi senão depois que fizeram pazes com Calecut e bem
pode Vossa Alteza quer ter boa pimenta defenda que nenhum homem com ela não
trate só pena da cabeça e isto qualquer homem que seja porque todo o mais passa
por pretae portanto Vossa Alteza não deve de dar a nenhum homem nenhum só
quintal de pimenta para nenhuma parte que seja porque com o favor da pimenta
que lhe Vossa Alteza dá carregaram quanta querem e portanto Malaquias se
gabou e amostrou que não nem mandava por pimenta à Índia que lha levavam quanta
ele queria que carregava as suas naus e depois de carregadas amostrou duas
casas...>>>
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<<..e isso mesmo o feitor de Goa que se
chama Rui Costa que agora vai por capitão duma da naus de André Afonso que
quando veio de Portugal não trazia um vintém de seu e em dois anos que foi
feitor de Goa dizem que leva vinte mil cruzados e assim que devia Vossa Alteza
de lhe tomar a conta em que ganharam tanto dinheiro em tão pouco tempo assim a
ele como aos outros e Vossa Alteza mandasse castigar alguns deles se guardariam
de meter as mãos na Fazenda de Vossa Alteza...>>
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<<... a Índia de arte que ela estava
quando veio Lopo Soares mande fazer boa guerra e logo terá boa paz porque já
ninguém não vos a modo que qualquer cabrão que errar queimá-lo a assá-lo e
crucifixá-lo o que os outros que ficaram vos temerem e logo teres a Índia
apaziguada que esta paz que Lopo Soares pôs por a Índia neste ponto em que ela
agora está porque nunca matou nem mandou matar mouro senão cristãos enforcar e
cortar mãos...>>
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<<...porque andam cá uns poucos fidalgos
mamões que nunca viram nada nem nunca sairam das abas de suas mães e cá são
capitães de naus e de galés e assim que estes homens que Vossa Alteza houver de
mandar sejam como disse que sejam de boa raça cavaleirosos e que folguem de
ganhar honra e que tenham e que tenham medo de Vossa Alteza lhe mandar cortar a
cabeça porque os fidalgos dizem todos que não vieram à Índia ganhar honra que
com eles nasceu senão dinheiro e assim não trazem o sentido senão em comprar e
vender e como mandaram para a China e para Ormuz e para outras quaisquer
partes...>>
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<<... em Cochim disseram que aquela
mercadoria que a compraram de seu dinheiro que el Rei não teverá dinheiro para
a comprar e assim que vo-la tornaram a vender sendo ela vossa e assim que como
com o vosso dinheiro vos pagavam e guardavam o ganho para si e se alguma
mercadoria vossa vem misturada com as das partes dizem que é da Vossa Alteza e
assim tomam outra tanta da vossa são para si e fica a pôdre para vós e assim
que nunca se perde tudo é de Vossa Alteza e o seu sempre
fica...>>
INTRIGA NA ÍNDIA
Afonso de Albuquerque além de homem honrado e de
grande valor é um guerreiro imbatível. Depois de ter conquistado Ormuz em 1507,
Goa em 1510 e Malaca em 1511, sonha e tornou realidade o sonho de criar
um império, português, na Ásia.
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Em 1509 pelos seus tão grandes feitos sucede, com
título de Governador da Índia ao vice – Rei D. Francisco de
Almeida.
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O nome de Albuquerque foi respeitado e temido em todo
o Oriente e, porisso tem imensos inimigos que minam a sua imagem, ilustre, na
Corte do Rei D-Manuel I.
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D.Manuel I aceita as mentiras, tira-lhe o Governo e
entrega-o a Lopo Soraes que era o seu mais directo rival. Albuquerque não
conseguiu sobreviver ao desgosto e à humilhação e morre em 1515 na baía
de Goa.
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Os fidalgos do tempo da sua governação e aqueles que
não foram depostos das suas funções depois de ter falecido, Albuquerque, continuaram
a ser-lhe fieis, embora, como é óbvio, Lopo Soares, persegue-os e tolhe-lhes os
os seus movimentos.
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São homens de Albuquerque que escrevem cartas a
D.Manuel I, que pouco ou mesmo nenhum efeito produzem as acusações na
corte. O rei está com Lopo Soares. No entanto este colhe os
frutos, deliciosos, da conquista do grande General.
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Os interesses pela Pátria portuguesa não cuidam os
nobres fidalgos da corte do Rei D.Manuel I. A anarquia instalou-se por todo o
oriente e, ...<< mais cuidam dos seus
ganhos pessoais do que servir a monarquia e o Povo de
Portugal...>>.
José Martins - 2003